A questão das previsões, dos acontecimentos futuros, vez que outra, ressurge em diferentes setores da sociedade, algumas vezes, gerando debates acalorados e receios de catástrofes, destruições e desolação. E as opiniões e pontos de vista a respeito do assunto são os mais variados e contraditórios. Contudo, para os espíritas, o que mais interessa saber é o que diz o Espiritismo sobre isso, a fim de termos uma visão clara, objetiva e lógica a tal respeito.
Allan Kardec, o codificador da Doutrina Espírita, questionou os Espíritos Superiores (questão 868) se o futuro poderia ser revelado ao ser humano. E a resposta foi que, [...] em princípio, o futuro lhe é oculto e só em casos raros e excepcionais permite Deus que seja revelado.1
Insistindo no assunto, o codificador, então, perguntou (questão 869) por qual razão o futuro deveria permanecer oculto à Humanidade, ao que esclareceram as entidades espirituais que [...] se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria do presente e não obraria com a liberdade com que o faz, porque o dominaria a ideia de que, se uma coisa tem que acontecer, inútil será ocupar-se com ela, ou então procuraria obstar a que acontecesse. Não quis Deus que assim fosse, a fim de que cada um concorra para a realização das coisas, daquelas a que desejaria opor-se. Assim é que tu mesmo preparas muitas vezes os acontecimentos que hão de sobrevir no curso da tua existência.2
Quando Kardec descreve sua “sua primeira iniciação no Espiritismo”, ele nos apresenta importante advertência, a qual, infelizmente, muitos espíritas desconhecem ou não a aplicam, e que diz [...] um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal. Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles.3
Esse apontamento do codificador vale para Espíritos que estejam desencarnados, mas também encarnados.
O próprio Cristo também já nos houvera falado que não deveríamos acreditar em todos os Espíritos. No Evangelho de Mateus, lemos que, quando os discípulos questionaram o Mestre sobre sua vinda, as turbulências que o mundo sofreria, e quando tudo isso se sucederia, Jesus descreveu um panorama dos acontecimentos, mas afirmou, categórico, que [...] sobre aquele dia e àquela hora ninguém sabe nada; nem os anjos dos céus, nem o Filho; só o Pai. E alertou os discípulos [...] olhai que ninguém vos desencaminhe; pois muitos virão em meu nome, dizendo ‘eu sou o Cristo’, e desencaminharão muitas pessoas; ouvireis falar de guerras e de rumores de guerras; olhai para que não fiqueis perturbados [...]. Então se alguém vos disser ‘eis aqui o Cristo’ ou ‘aqui está Ele’, não acrediteis. Pois serão levantados falsos cristos e falsos profetas e darão sinais grandes e prodígios como intuito de desencaminhar, se possível, também os escolhidos. 5
Em profunda mensagem mediúnica, o Espírito Erasto – que, segundo Kardec, seria o discípulo do apóstolo Paulo -, ensina-nos o seguinte: [...] Desconfiai dos falsos profetas. É útil em todos os tempos essa recomendação, mas, sobretudo, nos momentos de transição em que, como no atual, se elabora uma transformação da Humanidade, porque, então, uma multidão de ambiciosos e intrigantes se arvoram em reformadores e messias. É contra esses impostores que se deve estar em guarda, correndo a todo homem honesto o dever de os desmascarar. Perguntareis, sem dúvida, como reconhecê-los. Aqui tendes o que os assinala:
Somente a um hábil general, capaz de o dirigir, se confia o comando de um exército. Julgais que Deus seja menos prudente do que os homens? Ficai certos de que só confia missões importantes aos que Ele sabe capazes de as cumprir, porquanto as grandes missões são fardos pesados que esmagariam o homem carente de forças para carregá-los. Em todas as coisas, o mestre há de sempre saber mais do que o discípulo; para fazer que a Humanidade avance moralmente e intelectualmente, são precisos homens superiores em inteligência e em moralidade. Por isso, para essas missões são sempre escolhidos Espíritos já adiantados, que fizeram suas provas noutras existências, visto que, se não fossem superiores ao meio em que têm de atuar, nula lhes resultaria a ação.
Isto posto, haveis de concluir que o verdadeiro missionário de Deus tem de justificar, pela sua superioridade, pelas suas virtudes, pela grandeza, pelo resultado e pela influência moralizadora de suas obras, a missão de que se diz portador. Tirai também esta outra consequência: se, pelo seu caráter, pelas suas virtudes, pela sua inteligência, ele se mostra abaixo do papel com que se apresente, ou da personagem sob cujo nome se coloca, mais não é do que um histrião de baixo estofo, que nem sequer sabe imitar o modelo que escolheu.
Outra consideração: os verdadeiros missionários de Deus ignoram-se a si mesmos, em sua maior parte; desempenham a missão a que foram chamados pela força do gênio que possuem, secundado pelo poder oculto que os inspira e dirige a seu mau grado, mas sem desígnio premeditado. Numa palavra: os verdadeiros profetas se revelam por seus atos, são adivinhados, ao passo que os falsos profetas se dão, eles próprios, como enviados de Deus. O primeiro é humilde e modesto; o segundo, orgulhoso e cheio de si, fala com altivez e, como todos os mendazes parece sempre temeroso de que não lhe deem crédito. 6
Na obra “O Livro dos Médiuns”, Kardec pediu aos Espíritos Superiores alguns esclarecimentos a respeito das perguntas que poderiam ser feitas às entidades espirituais no tocante ao futuro. Vejamos, abaixo, alguns esclarecimentos obtidos:
[...] É esse ainda um ponto sobre o qual insistis sempre, no desejo de obter uma resposta precisa. Grande erro há nisso, porquanto a manifestação dos Espíritos não é um meio de adivinhação. Se fizerdes questão absoluta de uma resposta, recebê-la-eis de um Espírito doidivanas, temo-lo dito a todo momento. [...] Pode dar-se que o Espírito preveja coisas que julgue conveniente revelar, ou que ele tem por missão tornar conhecidas; porém, nesse terreno, ainda são mais de temer os Espíritos enganadores, que se divertem em fazer previsões. Só conjunto das circunstâncias permite se verifique o grau de confiança que elas merecem.8
Na sequência, foi questionado por que, quando fazem pressentir um acontecimento, os Espíritos sérios não determinam a data, se seria porque não o possam ou porque não o queiram. E a resposta foi a seguinte: [...] Por uma e outra coisa. Eles podem, em certos casos, fazer que um acontecimento seja pressentido: nessa hipótese, é um aviso que vos dão. Quanto a precisar-lhe a época, é frequente não o deverem fazer. Também sucede com frequência não o poderem, por não o saberem eles próprios. Pode o Espírito prever que um fato se dará, mas o momento exato pode depender de acontecimentos que ainda se não verificaram e que só Deus conhece. Os Espíritos levianos, que não escrupulizam de vos enganar, esses determinam os dias e as horas, sem se preocuparem com que o fato predito ocorra ou não. Por isso é que toda predição circunstanciada vos deve ser suspeita. Ainda uma vez: a nossa missão consiste em fazer-vos progredir; para isso vos auxiliamos tanto quanto podemos. Jamais será enganado aquele que aos Espíritos superiores pedir a sabedoria; não acrediteis, porém, que percamos o nosso tempo em ouvir as vossas futilidades e em vos predizer a boa fortuna. Deixamos esse encargo aos Espíritos levianos, que com isso se divertem, como crianças travessas. A Providência pôs limite às revelações que podem ser feitas ao homem. Os Espíritos sérios guardam silêncio sobre tudo aquilo que lhes é defeso revelarem. Aquele que insista por uma resposta se expõe aos embustes dos Espíritos inferiores, sempre prontos a se aproveitarem das ocasiões que tenham de armar laços à vossa credulidade. 9
Do mesmo livro, retiramos três itens do resumo que o codificador fez sobre os meios de se reconhecer a qualidade (evolução) dos Espíritos: [...] Os bons Espíritos só dizem o que sabem; calam-se ou confessam a sua ignorância sobre o que não sabem. Os maus falam de tudo com desassombro, sem se preocuparem com a verdade. Toda heresia científica notória, todo princípio que choque o bom-senso, aponta a fraude, desde que o Espírito se dê por ser um Espírito esclarecido. [...] Reconhecem-se ainda os Espíritos levianos, pela facilidade com que predizem o futuro e precisam fatos materiais de que não nos é dado ter conhecimento. Os bons Espíritos fazem que as coisas futuras sejam pressentidas, quando esse pressentimento convenha; nunca, porém, determinam datas. A previsão de qualquer acontecimento para uma época determinada é indício de mistificação. [...] Jamais os bons Espíritos aconselham senão o que seja perfeitamente racional. Qualquer recomendação que se afaste da linha reta do bom-senso, ou das leis imutáveis da Natureza, denuncia um Espírito atrasado e, portanto, pouco merecedor de confiança.10
Em “Teoria da Presciência”, falando sobre previsões de acontecimentos com datas específicas, Kardec expressa-se nos seguintes termos: [...] Pode, portanto, ser certo o resultado final de um acontecimento, por se achar este nos desígnios de Deus; como, porém, quase sempre, os pormenores e o modo de execução se encontram subordinados às circunstâncias e ao livre- arbítrio dos homens, podem ser eventuais as sendas e os meios. Está nas possibilidades dos Espíritos prevenir-nos do conjunto, se convier que sejamos avisados; mas, para determinarem lugar e data, fora mister conhecessem previamente a decisão que tomará este ou aquele indivíduo. Ora, se essa decisão ainda não lhe estiver na mente, poderá, tal venha ela a ser, apressar ou demorar a realização do fato, modificar os meios secundários de ação, embora o mesmo resultado chegue sempre a produzir-se. É assim, por exemplo, que, pelo conjunto das circunstâncias, podem os Espíritos prever que uma guerra se acha mais ou menos próxima, que é inevitável, sem, contudo, poderem predizer o dia em que começará, nem os incidentes pormenorizados que possam ser modificados pela vontade dos homens. [...] Eis aí por que as predições circunstanciadas não podem apresentar cunho de certeza e somente como prováveis devem ser acolhidas, mesmo que não tragam eiva que as torne legitimamente suspeitas. Por isso mesmo, os Espíritos verdadeiramente ponderados nada nunca predizem para épocas determinadas, limitando-se a prevenir-nos do seguimento das coisas que convenha conheçamos. Insistir por obter informes precisos é expor-se às mistificações dos Espíritos levianos que predizem tudo o que se queira, sem se preocuparem com a verdade, divertindo-se com os terrores e as decepções que causem.11
Numa sessão mediúnica pessoal, ocorrida na casa do Sr. Baudin, em 12 de maio de 1856, Kardec, aproveitando-se da presença e comunicação do Espírito de Verdade, expôs-lhe o caso de um seu conhecido que havia recebido, por certo médium, uma revelação de acontecimentos futuros com data específica, e que este amigo estava a divulgá-la como verdade; o codificador desejava que o guia espiritual se pronunciasse sobre a questão, obtendo o seguinte informe: [...] Sim, determinaram-lhe épocas, mas foram Espíritos levianos que lhe responderam, Espíritos que não sabem mais do que ele e que lhe exploram a exaltação. Sabes que não devemos precisar as coisas futuras. Os acontecimentos pressentidos certamente se darão em tempo próximo, mas que não pode ser determinado. [...] Em se tratando de coisas de tanta gravidade, que são alguns anos a mais ou a menos? Elas nunca ocorrem bruscamente, como o chispar de um raio; são longamente preparadas por acontecimentos parciais que lhes servem como que de precursores, quais os rumores surdos que precedem a erupção de um vulcão. Pode-se, pois, dizer que os tempos são chegados, sem que isso signifique que as coisas sucederão amanhã. Significa unicamente que vos achais no período em que se verificarão.4
Emmanuel, o sábio instrutor espiritual, em mensagem intitulada “Adivinhações”, pela mediunidade de Chico Xavier escreveu que [...] A respeito dos irmãos de Humanidade que se consagram ao mister da adivinhação, não se infere que devemos aceitar-lhes cegamente as afirmativas. Especialmente no que se reporte a profecias inquietantes, é imperioso ouvi-los com reserva e discrição.12
Também Vianna de Carvalho, outro erudito benfeitor espiritual, se manifestou a respeito do mesmo assunto, conforme o que lemos a seguir: [...] Em uma doutrina portadora de constituição elevada e sólida, sem brechas para o aventureirismo ou para o mercantilismo adivinhatório, somente se equivoca aquele que prefere manter-se à margem dos seus ensinamentos, que são claros como a luz que esbate a treva, ou que prefere o engodo à verdade, a fantasia à realidade, vivendo o período infantil do pensamento, irresponsável, portanto, ante os desafios existenciais para decifrar-se e avançar com segurança no rumo do destino traçado que tem à frente. Não obstante, grassam em abundância, e multiplicam-se férteis, informações destituídas de veracidade, como aliás do agrado das pessoas acostumadas ao ludíbrio, às vaidades e exaltações do ego, que somente prejudicam, contribuindo para o aumento da ignorância e leviandade em torno dos assuntos relevantes da Humanidade. Pseudo-médiuns ou medianeiros em desequilíbrio, assessorados por Espíritos levianos que se comprazem em mantê-los no ridículo, amiúde apresentam-se como reveladores, e o são inconsequentes, ludibriando a boa-fé dos incautos ou incensando os orgulhosos com bombásticas informações em torno do seu passado, com promessas mirabolantes sobre o seu futuro, ou ainda, como emissários de Embaixadores Celestes para evitarem calamidades, alterarem acontecimentos, assumindo posturas de semideuses, que deslumbram os fascinados e se tornam condutores dos grupos humanos. [...] Outrossim, proliferam outras revelações trágicas em torno do fim dos tempos, das tragédias que irão ocorrer, como se não fossem elas do cotidiano, variando de expressão e de lugar, todas igualmente parte integrante do processo evolutivo de um planeta inferior, que avança para outro degrau na escala dos mundos. [...] Cumpre, portanto, precatar-se todo aquele que se interesse pelo Espiritismo, com revelações inconsequentes, estudando a Doutrina e praticando-a com segurança, lançando o pensamento para a frente e para cima, na certeza de que cada um é o que de si próprio faz.13
Diante dos esclarecimentos acima expostos, concluímos que devemos ter muito cuidado no trato com as previsões divulgadas pelo mundo, buscando analisá-las com os critérios que nos ensina a Doutrina Espírita, ou seja, verificação sensata, crítica, lógica e isenta de seus conteúdos, não interessando se são revelações mediúnicas ou não, sejam elas vindas de quem quer que seja. Tudo isso para evitarmos ser enganados por “falsos profetas” que desejam usar da fé das pessoas para se autopromoverem, por necessidade do ego e, não raro, por inspiração de Espíritos perturbadores, que querem confundir os seres humanos, afastando-os da Verdade, e gerando-lhes confusão, pânico e desilusão.
O Espiritismo, sendo o Consolador prometido por Jesus, surgiu na Terra, no tempo propício, para impulsionar a Humanidade à sua grande transformação moral. A evolução não é obra de improviso e nem se realiza em poucas décadas, sendo um processo complexo e demorado, paulatino.
Conforme nos explicou Allan Kardec, [...] é toda uma revolução que neste momento se opera e trabalha os espíritos. Após uma elaboração que durou mais de dezoito séculos, chega ela à sua plena realização e vai marcar uma nova era na vida da Humanidade. Fáceis são de prever as consequências: acarretará para as relações sociais inevitáveis modificações, às quais ninguém terá força para se opor, porque elas estão nos desígnios de Deus e derivam da lei do progresso, que é Lei de Deus. 7
Dessa forma, analisemos tudo sob o crivo da razão e evitemos dar atenção às “revelações inconsequentes”, que disseminam o pavor, o medo, a perturbação, apresentando panoramas ameaçadores e catastróficos para a Humanidade; e fixemo-nos nos ensinos espíritas, que inspiram, consolam e nos impulsionam ao bem, à paz e à plenitude!
Bibliografia:
1. KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 82a. ed. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2001, questão 868.
2. _____. Questão 869.
3. KARDEC, A. Obras Póstumas. 18a. ed. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1981. p. 269.
4. _____ .p. 279-280.
5. BÍBLIA. Português. Bíblia, volume I: Novo Testamento: Os quatro Evangelhos. 1a. ed. Trad. Frederico Lourenço. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 136-138.
6. KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 130a. ed. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2011. p. 366-367.
7. _____.p. 61.
8. KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. 80a. ed. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2012. p. 398-399
9. _____. p. 399-400
10. _____. p. 346-348.
11. KARDEC, A. A Gênese. 23a. ed. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1980. p. 365-367.
12. EMMANUEL. Encontro Marcado. [psicografado por] Francisco C. Xavier. 14a. ed. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2013. p. 29.
13. DE CARVALHO, V. Revelações Inconsequentes. Revista Reformador, Brasília, v.115, n.3, p. 76-77, março 1997.
Izaias Lobo Lannes – Setembro de 2011 – Revisado Novembro de 2020. izaiasacurvelo@yahoo.com.br
Foto: Guilherme Stecanella - unsplash.com
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